#11 Precisamos estar on-line?
Reflexões e desabafos a respeito dessa ideia da necessidade de presença on-line constante e nos exaure com as mudanças diárias nos algoritmos que ninguém entende
Eu comecei a usar a internet nos anos 1990. Meio que “usar computador” e “navegar na internet” vieram meio juntos para mim, embora tenha passado parte da infância com joguinhos e enciclopédias em CDs (história para outro dia). Não deve surpreender ninguém que, aos 10-11 anos, eu já navegasse por fóruns da série da transfóbica, lesse fanfics e, olha só, tivesse uma conta no Orkut. E sempre gostei de compartilhar as coisas com as pessoas, os livros que lia, as histórias que escrevia, as fotos que tirava com a câmera de poucos megapixels e vários efeitos aleatórios.
Mas eis que minha jornada nas redes sociais começou com isso: fóruns e Orkut. E, caramba, como sinto falta da organização dos fóruns, nenhuma rede social conseguiu trazer essa organização de volta. Aí veio Twitter, Facebook, Instagram, e tantas outras redes, sendo que o Twitter, pelo menos até uns meses atrás e a o Musk resolver comprá-lo, era a única que eu realmente usava com prazer — por mais que muita gente odeie, acho que fiz um bom filtro de coisas pra seguir e gosto de usar apenas para falar aleatoriedades dos gatos e do meu café da manhã.
Há pouco mais de um ano, fechei meu instagram apenas para amigos. Depois de anos sendo a cara de um canal de literatura no YouTube, tinha uns 2 mil seguidores que não sabia quem era e não tinha mais vontade de compartilhar meus momentos — selfies, gatos, cafés. Fechar a conta e deletar os seguidores desconhecidos foi um caminho que tentei, e mesmo assim sempre fico me perguntando: o que vou postar aqui? Preciso postar alguma coisa? Preciso mesmo da dopamina dos likes? Ao mesmo tempo, quero mostrar os gatos sendo fofos, o livro que estou lendo, o café que fiz naquela manhã. Essa coisa de usar a internet desde sempre me buga e fico tentando encontrar o limite do que quero compartilhar (nesse caso, com amigos, nem é com completos quase 4 mil estranhos que me seguem no Twitter — inclusive, nunca entendi por que alguém me segue lá, minha relevância nunca foi grande).
E quando a gente precisa compartilhar para vender?
Tudo isso conversa com um texto maravilhoso que a
publicou, falando desse compartilhamento do dia a dia de quem escreve, dessa presença on-line, depois de vários papos difíceis, desabafos e trocas no grupo de autores da .Trabalhei por anos como estrategista de redes sociais, escrevi conteúdo, fiz campanhas, montei memes, fiz relatórios de engajamento e resultados. Modéstia à parte, sei fazer esse trabalho bem, especialmente a parte de estratégia — a execução tem me cansado, tem me dado preguiça e vontade de fazer qualquer outra coisa.
Aí, como agente literária, tenho que lidar com os dois lados disso. Com o cansaço dos autores com a existência on-line, mas com a necessidade de aparecer, mesmo que de vez em quanto, para compartilhar seus projetos, seus livros, fazer uma propaganda de si mesmos e, bom, tentar vender uns livros.
E eu entendo o cansaço deles, a relutância, o desgaste. Mesmo. Porque eu estou cansada. E é mais do que justo que eles também estejam. Só que, como estrategista de redes sociais, como agente literária, eu não posso simplesmente falar “apaga tudo e some”, porque seria um pouco irresponsável da minha parte. A existência on-line mínima ainda é necessária, na configuração atual do mercado (essa entidade que não existe e existe), e na organização inclusive dos próprios leitores, que buscam suas leituras nas redes.
Nem todos são Ferrante, que vende milhões sem mostrar o rosto. Nem todo mundo pode ser aquele autor que aparece uma vez a cada dois anos para dar sinal de vida e lançar um livro. A concorrência é enorme, são tantas e tantas coisas “roubando” a atenção de quem lê livros. Como convencer alguém a ler o seu livro?
Como estratégia, entendo que a tal da construção de comunidade seja tão importante para o autor quanto para a editora (embora sejam poucas que trabalhem isso bem de verdade, mas isso é história para outra hora e para outro conflito de papéis profissionais dessa que vos fala). E que a gente precisa, sim, investir certo tempo e esforço nisso, porque pode trazer mais resultados inclusive do que milhares de seguidores anônimos nas redes — outra hora me cobrem de falar da diferença de comunidade e seguidores.
Mas qual o limite da presença on-line, visto que não estamos falando de pessoas cuja carreira é ser influenciador digital, ou outro termo que tenha surgido, mas especificamente trabalhar com contação de histórias? No caso, especificamente em formato de livro?
A Fernanda escreveu:
Uma coisa que tenho comentado várias vezes com os amigos é essa sensação incômoda de que, mais do que consumir a arte, se deseja consumir o artista. Um movimento antropofágico mais alinhado ao sentido da palavra. Não é seu livro que vende nem é você que vende o livro. É você que se vende. E, como já dizia o velho manual de marketing, para gerar vendas, é preciso gerar demanda. É preciso se tornar um produto atraente.
E… é, não tenho resposta para isso. Em todos os papos com os autores, tento buscar um equilíbrio entre “sumir da vida on-line para sempre” e “mostrar cada detalhe do meu dia”, mas esse limiar varia de pessoa para pessoa. Se nem eu mesma consegui encontrar o meu equilíbrio até hoje, como posso ensinar alguém a fazer isso?
Desculpe, pessoal. Queria ter respostas prontas, queria que fosse simples e direto, que fosse algo prático e fácil de implementar, queria que o Instagram implodisse, queria achar a solução mágica. Mas não achei e nem acho que ela exista. Porém, estou disposta a procurarmos, juntos, um equilíbrio que funcione para cada um, e que tudo bem mudar a cada dia, semana, mês, projeto.
Nem sempre a gente quer compartilhar, às vezes, como a Fer fala, a gente só quer trabalhar de roupa puída. Minha mesa é uma bagunça, minha casa não é instagramável, meu dia a dia não é aesthetic o suficiente para as redes. Eu não tenho energia para, além de tudo o que paga as contas, me vender na internet.
Mas sei que, se eu gastar um tempinho trabalhando minha imagem, mostrando o que sei fazer, falando dos trabalhos que já fiz, criando fios e fios super engajantes e informativos nas redes, tenho mais chances de conseguir trabalho (como tradutora, como marketeira, como alguma das minhas várias facetas profissionais), do que se ficar quietinha e não existir.
Sim, dá para conseguir trabalho sem isso. Claro que dá. Mas dependendo da área que você atua, não é o suficiente, nunca nada é o suficiente, e aí vem de novo o tal do equiíbrio. Qual o objetivo das coisas? Onde coloco meu tempo? Aaaah, eu nem sei mais para onde isso vai, porque são tantas questões que se entrelaçam na vida digital, na existência como profissional, pessoa, ser humano, cérebro pensante em 2023, que tudo se mistura, tudo se entrelaça e desentrelaça e se funde e se torna uma massa indistinguível de coisas sem sentido,
Minha imagem é minha, mas também é das pessoas que me acompanham, e isso é uma contradição que não sei como lidar, que não sabemos como lidar como sociedade.
De qualquer forma, viver nesse mundo digital me parece isso: tentar encontrar o equilíbrio nas contradições. E jogar tudo para o alto de vez em quando, sumir das redes sociais e aparecer meses depois dizendo: “oi, estou viva e olha meu gato, ele é fofinho”.
Outros textos e reflexões:
Esse texto que fala que A internet não vai ser legal de novo, também me faz pensar pensamentos pensantes e complexos que ainda não consegui colocar em palavras.
Me pergunto até se essa angústia é puro ressentimento pelo fato de nunca ter conseguido aproveitar essa habilidade para me vender de uma vez e pelo menos fazer disso uma fonte de renda - até porque é o que faço para os outros todos os dias no trabalho.
O Denys também falou um pouco do cansaço como autor em sua newletter. E esse tem sido um tema recorrente entre a galera nas últimas semanas (meses? anos?). Reforço que não tenho respostas, mas uma quantidade imensa de perguntas. Como a gente se junta para tentar resolver isso?
Acho que um caminho é esse: expondo e debatendo. Trazendo à tona essa expectativa dos autores, editoras, leitores e pessoas pela vida, essa necessidade do consumo antropofágico que a Fernanda fala. Essa necessidade de saber o que os outros fazem, ao mesmo tempo que queremos os boots de serotonina com os likes. Tudo se mistura.
Isso ficou muito mais longo do que previ, e espero que não tenha ficado extremamente confuso. Me contem, por favor, o que acharam? Pode ser respondendo normalmente ao e-mail na sua caixa de entrada. Pode ser me mandando mensagem por aí.
No mais, até a próxima.
— Gabi Colicigno