#6 Um pouco sobre mudar de casa muitas vezes
Tinha contado mais de 20 vezes, mas revendo os números aqui, são mais de 15. Já é mudança para caramba!
Sempre achei curioso como algumas pessoas sempre viveram no mesmo lugar, ou que a primeira mudança delas foi saindo da casa dos pais. Nenhum problema, é só que essa nunca foi minha realidade, já que antes dos 15 anos já havia mudado de cidade, estado e até mesmo de país, e voltado para a o ponto de partida, uma cidadezinha no interior de São Paulo conhecida por fabricar linguiças.
Pausa apenas para dizer que a newsletter não foi extensivamente revisada, então perdoem eventuais erros de digitação
Minha primeira mudança de casa, se não estou errada, foi em 1997, quando meus pais compraram uma casa com quintal enorme — e para onde voltei algumas coisas nos anos seguintes, depois de uma temporada em outros lugares. Saímos de um apartamento em cima de uma academia para essa casa com três quartos, espaço para que eu andasse de patins e bicicleta, com um quarto nos fundos que viria a ser meu “quartinho de brinquedos”, com prateleiras improvisadas e quase tantos jogos e brinquedos quanto uma loja de brinquedos.
Moramos um tempo nela, mas meu irmão nasceu, meu pai mudou de emprego e fomos passar uma temporada na Espanha — onde moramos em dois lugares diferentes, inclusive. Alguns meses depois, voltamos à casa.
Mas a primeira mudança que me recordo pra valer foi para Resende. Eu tinha sete anos, e dessa vez não era uma mudança com data de volta, como a anterior. Era “para sempre” (ou algo assim na cabeça de uma criança cujo total de tempo de vida não chegava a uma década). E era para um lugar menor. Lembra dos brinquedos? Sempre fui desapegada de coisas materiais em geral, de forma que quando minha mãe explicou que precisaria doar alguns deles antes de irmos, não foi problema. Escolhi os preferidos, as bonecas que mais gostava, os jogos de tabuleiro mais legais, e doei o resto.
Vale dizer que um padre recebeu as doações e montou uma brinquedoteca apenas com as coisas que doei, visto que foi o equivalente à caçamba de uma camionete. Eu já disse que tinha muito brinquedo?
Essa foi a primeira lição que tive de mudanças de casa. E uma que levei comigo em cerca de uma dezena de outras mudanças ao longo dos últimos 20 anos: a gente acumula muita coisa, e mudanças são ótimos momentos para avaliar o que realmente é necessário (e importante) e doar o resto para outras pessoas.
Lembra que comentei da curiosidade com quem sempre morou no mesmo lugar? Então, basicamente é porque em geral essas pessoas acumularam muitas coisas ao longo da vida e não tiveram uma oportunidade nem de ter noção do que guardam. Quando fizemos a mudança da minha avó e tia-avó para uma nova casa, depois de décadas vivendo no mesmo lugar, encontramos cada coisa… Um violão sem cordas do meu bisavô, cervejas vencidas há sete anos, um baú de madeira, dezenas de panelas sem uso há anos.
Recentemente me mudei outra vez, de uma casa enorme na qual vivi por três anos com minha mãe e irmão para um apartamento de 57 m². Se em três anos acumulamos uma quantidade gigante de coisas desnecessárias, imagina em décadas? E olha que eu tenho o costume de fazer arrumações periódicas na casa e me desfazer de várias coisas, inclusive livros, com frequência.
Mas uma mudança maior nos faz olhar cada gaveta, cada porta de armário, bolsa e canto negligenciado. Nos faz descobrir que temos mais canecas do que necessário, e talvez possamos escolher as melhores e as que usamos com mais frequência, ou nos faz decidir finalmente parar de enrolar e comprar um liquidificador novo porque o antigo já deu o que tinha que dar. Mudar nos faz parar e realmente avaliar quais coisas materiais são importantes em nossas vidas.
Por outro lado, mudar tantas vezes, especialmente nos últimos onze anos desde que vim para São Paulo estudar, parece que me causou um efeito esquisito: reluto muito em deixar as coisas com a minha cara. Colocar quadros nas paredes, comprar móveis e decorações que gosto, criar um ambiente meu. Porque, ao menos nos últimos anos, estava sempre pensando na próxima mudança — um lugar mais barato, ou com menos gente para dividir a casa, o fim do contrato de aluguel.
Meu irmão, minha mãe e eu passamos três anos na última casa e coloquei um mísero quadrinho na parede, mas o coitado foi filho único. Os outros quadros ficaram anos apoiados em uma cômoda na sala. Esperando a vez deles. Esperando algo acontecer. Esperando a casa nova. Esperando uma quantidade de mudanças que não dependiam da gente.
Essa casa nunca teve realmente nossa cara. As estantes de livros não eram organizadas para valer porque sempre ficava para quando mudasse e tivesse um lugar definitivo. Para dizer que não fiz nada, comprei móveis combinando na sala, inclusive meu sofá dos sonhos, mas só isso. Foram meses e mais meses para colocar os ganchos de plantas na parede, meses para decidir comprar uma estante nova porque a quantidade de livros era calamitosa.
Mas cansei.
No apartamento novo, quero deixar tudo com a cara das pessoas que moram nele. Quero meus quadrinhos na parede. Quero os livros organizados, as plantas no lugar, os tapetes combinando.
Quero que tenha cara da minha casa, quero que seja aconchegante, que seja gostoso, que seja confortável, que eu me sinta bem todos os dias que morar ali porque as coisas estão como gostaria que estivessem. Claro que leva um tempo para isso acontecer, até por questão de dinheiro para comprar algumas coisas, e também porque no momento tenho duas pessoas meio que acampando por lá, então ajustes serão necessários.
Porém, não quero que um ano inteiro se passe e os quadros sigam em cima da cômoda. Não quero entrar no meu quarto e sentir que qualquer outra pessoa poderia morar ali, porque tirando meus travesseiros e roupas espalhadas, nada ali tem a minha cara.
No fim, quero poder dizer que um aprendizado que tirei de quase duas dezenas de mudanças em menos de 30 anos de vida, para além de embalar coisas muito rápido e saber encaixotar tudo com destreza, é que a gente pode sempre criar nosso canto com um pouco de empenho (e a medicação correta pro TDAH).
Beijos e até a próxima (provavemente num intervalo menor do que antes),
— Gabi Colicigno
Indicação da vez:
Assistam à série His Dark Materials na HBO, se gostam de fantasia. A adaptação dos livros de mesmo nome (aqui no Brasil chamada de Fronteiras do Universo) está muito boa e a Lyra é uma personagem maravilhosa. Podem apagar da memória o filme horrível e totalmente condescendente d’A Bússola de Ouro e ir sem medo.
Curiosidade da semana:
Fui confrontada com o fato de que muitas pessoas não sabem que gatos ronronam também quanto estão nervosos, não apenas satisfeitos e felizes enquanto coçamos suas orelhas e eles tramam a dominação mundial. Então fica aqui a curiosidade de que, sim, gatos podem ronronar quando estão com medo, estressados ou nervosos — Titi Fusquinha (foto abaixo) que o diga; a bichinha ronrona tanto para tudo que a veterinária nunca consegue ascultar o pulmãozinho ou coração dela. O nome dela é Fusquinha exatamente por ronronar demais e tão alto que parece um Fusca. Ainda há muita pesquisa sobre ronronar a ser feita, mas essa matéria da BBC traz várias informações interessantes.
vixe, escrevi um comentário tão grande que transformei em news... sai terça que vem :)