#9 E as metas de leitura?
Esse texto parte de algumas reflexões no grupo de newsletters, alguns anos anotando tudo o que leio e outros pensamentos doidos da minha cabeça
Feliz 2023! E bora para mais um ano, dozes meses, 365 dias (agora 362, na verdade), nem sei quantas horas, minutos e segundos. Já fez sua lista de metas?
Eu tenho uma relação esquisita com metas — nem sempre funcionam, mas sem elas é quase impossível fazer qualquer coisa. Explico: já comentei aqui que há anos estou numa jornada de ser mais organizada. E isso exige certas metas. Algumas pessoas me dizem que metas as deixam ansioas, melhor não colocar nenhuma ou a ansiedade ataca, e para mim é quase o contrário. Sem metas, como me organizo? Como divido meus meses?
Uma coisa importante: não tem a ver com produtividade, com fazer mais em menos, com, já que vou falar de leitura, ler mais livros em menos tempo. Tem a ver, acho eu, com o TDAH e a falta de foco. Com querer limitar o sentimento de que fiz pouco, ou, o que normalmente acontece, que fiz um monte de coisas que não precisavam ser feitas — ao menos não naquele momento. Ao colocar metas (no ano, no trimestre, no mês, na semana), sinto que consigo focar no que preciso e quero fazer. No que quero cumprir, seja nos trabalhos, seja comigo mesma.
Uma das minhas metas para o ano, mas para os próximos anos também, é efetivamente trabalhar como tradutora (além de agente literária). Então, coloquei uma meta de traduzir x livros no ano. Para atingir, preciso traduzir y por mês, mas para traduzir esses livros, preciso… encontrar trabalho. E aí crio as tarefas para cada semana — enviar e-mails, atualizar portfólio, essas coisas. Dessa forma, me organizo minimamente para as coisas não saírem do controle, para não deixar tudo para depois.
Tudo bem se não traduzir (ou mesmo ler) todos os livros que pretendo. A questão é que tendo essa visualização, fico menos ansiosa porque sei o que preciso fazer a cada semana, ou mês, para cumprir essa meta e posso priorizar algumas coisas.
Sem a meta, ficaria adiando eternamente essas pequenas tarefas. E aqui coloco também estudos, leituras, arrumar a casa, comprar comidas que gosto. Guardar dinheiro. Escrever essa newsletter. Colocar os quadros na parede. Minha cabeça vive a 200 km/h, se eu não planejar minimamente algumas coisas, elas simplesmente não serão feitas — provavelmente porque vou me distrair com 467 outras coisas (desde as redes sociais e o scroll infinito até limpar outra vez a cozinha, em vez de arrumar a sala que está o caos, só porque a cozinha é mais fácil).
Brinco que tenho duas partes de mim em conflito: o autismo que quer rotina, listas e tudo organizado, e o TDAH, que quer apenas caos e dopamina. Se seguir apenas o segundo, nada é feito ou terminado na minha vida, os quadros ficam eternamente fora da parede, e é capaz de ter que sair tarde da noite comprar ração para os gatos porque esqueci de comprar e acabou. Ou, como já aconteceu, eu esquecer de almoçar.
E aí chegamos nas metas de leitura. Eu sempre li muito. Mas muito mesmo. Pelo menos uns dois livros por semana, mas cheguei a ler uns 4 ou 5 em poucos dias na adolescência. Não lembro se já falei por aqui, mas defendo que ler muito ou pouco não é importante, o importante mesmo é o hábito de leitura (para quem quer ler, claro), e que ler mais significa abdicar de outras atividades — ler 30 minutos por dia em vez de gastar esses 30 minutos no TikTok, ou trocar um episódio de série pelo mesmo tempo de leitura.
A leitura sempre uma uma prioridade na minha vida. E, por isso, sempre li tanto. Em geral, prefiro ler a quase qualquer outra atividade. Ler em vez de jogar, ler em vez de filmes ou séries, ler em vez de comer, sair, dormir, tomar banho. A quantidade de madrugadas sem dormir porque o livro estava bom demais… Tanto gostava de ler que criei um site, depois um canal no YouTube (o final Who’s Geek) para falar das leituras.
No fim de 2014, fiz uma lista com tudo o que tinha lido naquele ano. Foi a primeira vez que anotei. Fiz isso porque, em 2013, consumida pela faculdade, estágio e iniciação científica, havia lido muito pouco (para os meus padrões) por prazer e queria retomar o hábito. E anotar me dava uma noção — queria eu ter anotado tudo o que li na vida. Acho que foram 29 livros. No ano seguinte, com o canal, o número foi para 40. Depois, nos anos seguintes, a média foi de 70. Nos últimos três anos, cerca de 45. Na época no canal, muita gente queria sabre como ler tanto. Bom, como falei, prioridades.
Ler era parte do meu trabalho como booktuber. Ler segue sendo parte do meu trabalho como tradutora, agente literária, leitora crítica, revisora, ou mesmo jornalista. Faz sentido que os números sejam altos. Eu leio vários livros por semana, por mês, muitos que não foram lançados, ou nem serão, livros em vários estágios do processo editorial. Leio para saber o que está sendo publicado, leio para me divertir, para me distrair, para estudar, para aprender, para descansar.
Então, para mim, faz sentido ter uma meta de leitura. E nem estou falando de metas numéricas — essas pararam de importar há anos, só coloco um número médio ali no GoodReads para ter as métricas. O que me importa ao anotar o que leio (no Notion, só para mim) é ter uma noção do que estou lendo. Mais autores nacionais? Mais livros de ficção? Livros de estudo? É me dar uma análise de mim mesma em um período de tempo fechado. Saber se priorizei o que realmente queria ler, se fiquei nos “livros de conforto”, compreender os meses que estava bem e os que estava pior da saúde mental.
Por exemplo, em um mês do ano passado li muitos romances de época — estava cansada e não queria algo denso e profundo, queria me divertir, rir, queria o conhecido. Em outro mês, terminei apenas um livro, mas era um livro de fantasia de mais de 800 páginas que queria ler há anos! No geral, dei preferência aos livros de fantasia, enquanto ficção científica já foi maioria em outros anos. Li poucos livros de não ficção, que era algo que gostaria de ter feito. E deixei uma miríade de livros começados.
Para 2023, a meta é simples: excluindo trabalho, quero ler pelo menos, por mês:
1 livro de ficção;
1 livro de não ficção;
1 livro de estudo (sobre livros, mercado, escrita, sei lá);
1 desses livros sendo em inglês.
Também quero retomar a leitura de livros largados pelo caminho, livros que deixaram de ser prioridade por mil razões. Alguns inclusive foram “perdidos” na bagunça da mudança.
Além disso, depois de organizar (finalmente!) as estantes, e encontrar os “perdidos”, separei uma enorme pilha de uns 50 livros para doação — muitos nunca lidos — e cerca de cinco ou seis para “ler e doar”. São livros que ainda quero ler, mas não faço questão de ter na estante. Inclusive, nesses primeiros três dias do ano, li um desses livros da pilha e sua continuação. Em breve devo vender algumas coisas, doar outras, presentear amigos. Sou a favor de passar livros para frente.
Por último, estou para fazer uma lista de “livros que gostaria muito de ler em 2023”, embora todas as vezes que tentei seguir qualquer coisa do tipo lista de leitura tenha fracassado lindamente. Não custa tentar. O planejamento é um guia, mas a vida real acontece e vários outros livros “passam na frente”.
O mais difícil, talvez, seja lidar com a percepção que nunca vou ler tudo o que quero, porque a vida é finita e não posso passar 24 horas por dia lendo. Por isso, também, anotar as leituras me dá uma perspectiva se estou lendo o que quero, ou apenas o que estava ali naquela hora.
No mais, cada um faz o que funciona para si, não é mesmo? Se você quer ler mais em 2023, a dica que posso dar é o que falei ali em cima: priorizar a leitura, nem que seja por meia hora por dia. Nem que seja 15 páginas por dia. Escolha um livro e bora lá.
Aliás, você tem metas de leitura? Como funciona isso pra você?
Um ótimo ano para todos nós!
— Gabriela Colicigno
Indicações (ou não)
Breve, porque isso já está gigantesco. Terminei de ver His Dark Materials e o final da série, assim como do livro, é triste para um caralho, recomendo outra vez. Assistam Glass Onion na Netflix se quiserem dar risada, o filme é bem divertido e não se leva a sério. Leiam A Guerra da Papoula (de R.F. Kuang, tradução de Ulisses Teixeira, Intrínseca, 2022) e suas continuações, mas aviso que é um livro pesado em vários sentidos.
Curiosidade
Por que alguns livros têm a lombada para um lado ou para o outro?
Se você tem estantes em casa, já deve ter notado que nem todos os títulos ficam virados para o mesmo lado quando colocamos os livros nas prateleiras. Isso acontece porque não há um padrão. Na verdade, existem dois: o americano (de cima pra baixo) e o europeu (de baixo pra cima). A ABNT adota o primeiro, mas várias editoras, como a Companhia das Letras, adotam o segundo.
Por mim, ok, mas só fico realmente confusa (e frustrada ao arrumar tudo) quando uma mesma editora não tem padrão e cada livro fica de um jeito…
Eu achei sua meta até bem pesada. Eu tinha essa meta de 52 livros por ano mas caí pra 40 e to felizaço. Aliás, Glass Onion é do caralho e eu to lendo Babel, o mais recente da R. F. Kuang. Muito menos "pesado" do que Poppy Wars, o que tá me decepcionando um pouco.